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Direitos da minha casa na favela

Civil
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No dia 04 de novembro é comemorado o dia da favela, pois foi neste dia do ano de 1900 que a expressão "favela” apareceu pela primeira vez em um documento oficial no Rio de Janeiro, quando Enéas Galvão, delegado da 10ºCircunscrição e Chefe da Polícia na época, redigiu um documento se referindo ao Morro da Providência como "favela", um lugar que precisava ser limpo, associando aquele território como um lugar sujo, de gente imoral.

Mas antes, vamos entender a origem de se chamar favela. Conforme mencionado, o primeiro documento oficial foi no Morro da Providência, no Rio de Janeiro e, no local era denominado de planta conhecida como faveleira. A partir dessa planta surgiu o nome favela.

A primeira favela passou a ser habitada por ex-soldados da Guerra de Canudos e após abolição dos escravos, sendo que com a ditadura militar as pessoas pobres e desempregadas eram vistas como perigo à sociedade, o que deu início ao tráfico, com apoio da Polícia corrupta. Tal resumo pode ser encontrado em uma matéria doG1, com participação do historiador Milton Teixeira.

Apenas com a abordagem, fica óbvio verificar que Éneas Galvão estava totalmente equivocado, pois as Favelas, conhecidas como quebradas ou comunidade, são berços de cultura e diversidade, oriundas da abolição da escravatura em1988, onde não houve nenhum tipo de assistência aos escravos libertos, transformando-se em um fenômeno social que expressa a desigualdade socioeconômica nos centros urbanos, haja vista as oportunidades desiguais desde o seu início. 

Ademais, de acordo com o IBGE, a favela é um conjunto de domicílios com no mínimo 51 (cinquenta e uma) unidades, que ocupa, de maneira desordenada e densa, terreno de propriedade alheia(pública ou particular) e que não possui acesso a serviços públicos essenciais.

No entanto, o seu conceito está além disso, pois as favelas são moradias de milhões de cidadãos brasileiros da classe trabalhadora, que possuem os seus lares, onde preservam sentimento de pertencimento e consideram o ambiente como parte de si.

Como a maioria das favelas são compostas por maior parte da classe trabalhadora, todos os dias homens e mulheres da periferia deslocam-se até aos centros urbanos em transporte público para ocupar postos de trabalho, assim como os guetos do Brasil exportam arte, esporte, ciência, enfim, cultura por todo mundo.

Ocorre que, infelizmente, mesmo com tamanha importância que tem as favelas, a população ainda é carente em diversos aspectos, principalmente no que toca à urbanização e a regularização fundiária, ou seja, à regularização dos seus imóveis.

Para elucidar melhor o tema, a Arquiteta e Urbanista Karine Gomes de Oliveira nos auxiliou sobre o assunto:

“Quando falamos de urbanização de favelas, temos que ter em mente vários aspectos que precisam ser considerados, como contenção de encostas, arruamento e possíveis acessos, regularização fundiária, instalação de redes de água e esgoto, entre outros. É um trabalho bastante complexo que precisa, acima de tudo, ser realizado pelo poder público em conjunto com a população local, a fim de tornar o trabalho bem mais assertivo e harmônico.

As vantagens para os moradores e para a cidade, como um todo, são inúmeras. Com a urbanização das favelas, torna-se possível a implantação de infraestrutura, saneamento básico e segurança de forma mais acessível a todos, além de mapeamento do local e identificação de possíveis pontos de alertas. Os moradores têm a possibilidade de regularização de seus imóveis, venda e compra passiveis de registo, e caso queiram, financiada pela iniciativa privada.

Como opinião pessoal, acredito que acima de tudo, a urbanização de favelas, tira esses cidadãos da margem da lei e cria o sentimento de fazer parte, um sentimento de propriedade e zelo pelo local e isso é de extrema importância para manutenção e identidade pessoal do local”

E conforme mencionado pela arquiteta, é sabido que a urbanização nas periferias é situação muito delicada, contudo, não pode deixar de ser observada, pois é o que possibilita a regularização fundiária, garantindo aos moradores segurança jurídica do seu direito de propriedade, garantido constitucionalmente.

Nesse contexto, é importante deixar esclarecido que os Estados e Municípios possuem autonomia suficiente para promover a regularização fundiária, e assim garantir a eficácia dos serviços públicos nos assentamentos irregulares, como o fornecimento de água e energia elétrica, saneamento básico, asfalto etc.

Na Cidade de São Paulo, por exemplo, para que isso aconteça da melhor forma, são instituídas as ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social) destinadas às áreas para moradia digna à população de baixa renda, por meio de melhorias urbanísticas, recuperação ambiental, regularização fundiária de assentamentos precários e irregulares, bem como a construção de habitação de interesse social.

Em suma, quando é instituída a ZEIS, é feita uma comissão composta por representantes da Prefeitura Municipal e de moradores das favelas. Essa comissão é responsável pela elaboração e aprovação do plano de urbanização, a fim de decidir sobre a conveniência e a necessidade da realização de obras e de outras formas de intervenção do Poder Público na área.

O plano de urbanização fica sujeito à aprovação, por decreto, pelo Chefe do Executivo Municipal. Aprovado o plano, a Prefeitura procede às obras de urbanização do assentamento e, em seguida, remete o processo ao Cartório de Registro de Imóveis, para o registro do parcelamento, com a correspondente abertura das matrículas individualizadas.

Com isso, faz-se cumprir o direito à moradia digna, consubstanciado na própria Lei 13.465/2017 e o Decreto Federal n. 9.310/2018 que estabelece como prioridade a regularização, principalmente para famílias e cidadãos de baixa renda, bem como são observados todos os fatores ambientais, sociais e de segurança.

Em que pese tal possibilidade, percebe-se que as necessidades habitacionais ainda são bem precarizadas e o alcance das ZEIS não é tão efetivo como o ideal, isso em diversos lugares do Brasil.

Por fim, importante mencionar que no ano de 2017 foi alterado o Código Civil incluindo o direito de laje, por meio da Lei n. 13.465/17, onde foi reconhecido o direito real de laje, contudo, será tratado aqui em oportunidade específica.

E antes do seu preconceito com as favelas, lembre-se são casas de diversas famílias que preservam os seus lares, constroem uma vida neste local, trabalham, pagam impostos, e devem ter os seus direitos garantidos.

O HGZ repudia qualquer ato de discriminação aos moradores das comunidades brasileiras e considera com orgulho a cultura originada da favela reconhecida mundialmente.

 

Participação:

Karine Gomes de Oliveira

Arquiteta e Urbanista

CAU n. A195044-4

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