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Distrato de financiamento imobiliário: é possível?

Consumidor
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Como é sabido, muitas pessoas compram imóvel na planta, assumem um valor de entrada, contudo, o valor faltante confia na contemplação de financiamento bancário. Ocorre que, muitas vezes o comprador não consegue o financiamento e consequentemente fica impedido em cumprir com o pagamento do imóvel adquirido. Com isso, conforme já exposto em outro artigo (que pode ser encontrado aqui), o comprador poderá pleitear pela rescisão do contrato e discutir eventual multa abusiva.

A maior dúvida surge após a assinatura do contrato de financiamento com a Instituição Financeira, pois caso o comprador não consiga mais adimplir com as parcelas, como fica a sua situação?

A resposta é: depende, pois será necessário analisar cada caso. A primeira observação que deve ser feita é que o contrato de financiamento feito com o banco é um documento acessório do contrato de compra e venda com a construtora, isto porque, geralmente o comprador aliena fiduciariamente o seu imóvel junto ao banco, o qual contempla com o valor do imóvel ao comprador, que é repassado à construtora.

Logo, a construtora cumpriu com a sua obrigação em entregar o imóvel, bem como recebeu pelo valor vendido. A partir de então a relação será entre o comprador e o banco, que falando grosso modo financiou o imóvel deixando-o de garantia em caso de inadimplemento.

No entanto, se mesmo após o financiamento bancário ser formalizado, por qualquer razão a construtora der causa à rescisão do contrato, o entendimento é que a situação deverá retornar ao estado anterior, isto é, com a rescisão do contrato de compra e venda, consequentemente do contrato de financiamento e, evidentemente, a devolução dos valores recebidos pela construtora ao banco. Tal entendimento já foi proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo:

COMPROMISSO DE COMPRA EVENDA DE IMÓVEL – COMPROMISSÁRIA-COMPRADORA QUE PAGOU A INTEGRALIDADE DO PREÇO– RECUSA INJUSTIFICADA DA CONSTRUTORA EM ENTREGAR AS CHAVES – RESCISÃO DOAJUSTE – POSSIBILIDADE – CONTRATO DE FINANCIAMENTO COLIGADO – DESFAZIMENTO –CONSTRUTORA QUE DEVE ARCAR COM O PAGAMENTO DOS VALORES DEVIDOS PELA AUTORA JÁQUE RECEBEU DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA PARTE DO MONTANTE DESTINADO À QUITAÇÃO DOIMÓVEL – DANOS MORAIS CONFIGURADOS – QUANTUM BEM FIXADO – EXPEDIÇÃO DE OFÍCIOAO CARTÓRIO COMPETENTE VISANDO A BAIXA DA GARANTIA REGISTRADA NA MATRÍCULA –DESCABIMENTO – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO IMPROVIDO". Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor por culpa da construtora, deve ocorrer a restituição das partes ao status quo ante, com a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador, desfazendo-se, também, o financiamento bancário por se tratar de pacto coligado".  (TJSP; Apelação Cível 1029022-43.2019.8.26.0577; Relator (a): Renato Sartorelli; Órgão Julgador: 26ª Câmara de Direito Privado; Foro de São José dos Campos - 7ªVara Cível; Data do Julgamento: 07/07/2021; Data de Registro: 07/07/2021)

Entretanto, se o pedido de rescisão contratual for por parte do comprador, inexistindo vícios por parte da construtora no objeto alienado, caberá àquele resolver a situação junto ao banco. Isso porque, o primeiro contrato já será considerado resolvido, restando somente o segundo, chamado no início do texto de acessório.

Dessa forma, na maioria das vezes o banco realiza o contrato de financiamento com alienação fiduciária, ou seja, com o imóvel em garantia para casos de inadimplemento, e a relação deverá seguir legislação própria, que é regida pela Lei n. 9.514/97.

Na referida Lei, em caso de inadimplemento do comprador no financiamento, é assim previsto:

Art. 26. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.

§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, o fiduciante, ou seu representante legal ou procurador regularmente constituído, será intimado, a requerimento do fiduciário, pelo oficial do competente Registro de Imóveis, a satisfazer, no prazo de quinze dias, a prestação vencida e as que se vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação.

§ 2º O contrato definirá o prazo de carência após o qual será expedida a intimação.

§ 3º A intimação far-se-á pessoalmente ao fiduciante, ou ao seu representante legal ou ao procurador regularmente constituído, podendo ser promovida, por solicitação do oficial do Registro de Imóveis, por oficial de Registro de Títulos e Documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la, ou pelo correio, com aviso de recebimento.

(...)

§ 5º Purgada a mora no Registro de Imóveis, convalescerá o contrato de alienação fiduciária.

(...)

§ 7o Decorrido o prazo de que trata o § 1o sema purgação da mora, o oficial do competente Registro de Imóveis, certificando esse fato, promoverá a averbação, na matrícula do imóvel, da consolidação da propriedade em nome do fiduciário, à vista da prova do pagamento por este, do imposto de transmissão inter vivos e, se for o caso, do laudêmio. 

(...)

Art. 27. Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel.

(...)

Isso significa que o devedor será intimado para pagar o débito, oportunidade em que fica constituída a sua mora e, em eventual decurso do prazo sem pagamento, o imóvel será restabelecido em favor do banco, o qual poderá vender por meio de leilão. Tal entendimento é consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO INTERNO NORECURSO ESPECIAL. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. DESISTÊNCIADO COMPRADOR. RESCISÃO. PREVALÊNCIA DOS ARTS. 26 E 27 DA LEI N. 9.514/1997.PRECEDENTES. 1. Nos casos de compra e venda de imóvel com pacto adjeto de alienação fiduciária, a rescisão do contrato deve se dar de acordo com os arts.26 e 27 da Lei n. 9.514/97, prejudicando o direito do consumidor de rescindir unilateralmente.2. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp n. 1.927.025/SP, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, DJe de 15/12/2021).

Em contrapartida, se o pedido de rescisão contratual feito pelo comprador estiver fundamentado em inadimplemento por parte da construtora, os dispositivos da Lei supracitado não serão aplicados, devendo a relação ser regida pelo Código de Defesa do Consumidor. É o que entende a jurisprudência:

AGRAVO INTERNO NOECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. IMÓVEL. COMPRA E VENDA. ALIENAÇÃOFIDUCIÁRIA. ESCRITURA PÚBLICA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃOOCORRÊNCIA. RESCISÃO. INADIMPLÊNCIA. VENDEDOR. CREDOR FIDUCIÁRIO. DIREITO ÀRESOLUÇÃO. ESTADO ANTERIOR. RETORNO. ARTS. 26 E 27 DA LEI Nº 9.514/1997.INAPLICABILIDADE. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2e 3/STJ). 2. Não viola o art. 1.022 do Código de Processo Civil de 2015 nem importa em negativa de prestação jurisdicional o acórdão que adota fundamentação suficiente para a resolução da causa, porém diversa da pretendida pelo recorrente, decidindo de modo integral a controvérsia posta. 3. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que a existência de cláusula de alienação fiduciária em contrato de compra e venda não permite a aplicação dos procedimentos dos arts. 26 e 27 da Lei nº 9.514/1997 para a hipótese de inadimplemento do vendedor/credor fiduciário. 4. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp n. 1.936.848/DF, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe de 6/12/2021).

Excepcionalmente, se o contrato de financiamento imobiliário foi realizado por meio do Programa Minha Casa, Minha Vida, o comprador poderá realizar o pedido de rescisão contratual, mesmo após a assinatura do contrato, desde que cumpra os requisitos previstos na Portaria n. 488/2017 do Ministério das Cidades (Disponível em: https://www.in.gov.br/materia//asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/19183353/do1-2017-07-19-portaria-n-488-de-18-de-julho-de-2017-19183289).

É claro que o comprador beneficiado pelo programa deverá analisar a situação, realizar um balanço se vale a pena ou não, já que sairá perdendo diversos pagamentos já realizados, como as despesas administrativas, por exemplo.

Já com relação ao financiamento bancário comum, se houver interesse em rescindir o contrato por parte do comprador, só será benéfico se existir culpa da construtora, pois caso contrário, a relação será somente com o banco e deverá seguir as regras de alienação fiduciária.

Para concluir, é necessário ressalvar que o contrato de financiamento bancário seguirá as regras da Lei exposta, contudo, também será aplicado o Código de Defesa do Consumidor no que for compatível. Por isso, em eventual existência de cláusula abusiva, será possível pleitear pela revisão contratual.

Diante disso, independente da sua atual situação, o ideal é organizar as suas finanças e consultar um especialista no assunto para evitar futuros problemas desnecessários.

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