Conforme abordamos no artigo anterior, elaborado pelo nosso assistente jurídico Caio Gomes, diversos transtornos psiquiátricos graves ou aparentemente “não graves” podem levar ao suicídio. Por isso, com auxílio do psiquiatra Dr. Bruno Branquinho, no respectivo artigo abordamos da importância da prevenção, diagnóstico e tratamento adequados, bem como de meras menções dos direitos previdenciários e trabalhistas da pessoa doente.
No entanto, quando o pior acontece, ou seja, quando o ato foi consumado e a pessoa perdeu a sua vida em virtude de um suicídio, se eventualmente alguém induziu/instigou terá responsabilidade penal? E se ela estava sob tutela do Estado? E a sua família, como fica? É o que vamos abordar de forma sucinta no presente artigo.
Inicialmente, vale a pena ressaltar que no nosso ordenamento jurídico brasileiro não se pune a autolesão. Isto porque, em virtude do princípio da alteridade, o qual define que para haver crime a conduta humana deve colocar em risco ou lesar bens de terceiros, e é proibida a incriminação de atitudes que não excedam o âmbito do próprio autor. E, por esta razão, a autolesão e/ou a tentativa de suicídio (sem auxílio de terceiros) não serão punidas, já que atingem somente a própria vítima.
Entretanto, quando existe a participação de terceiro não existe mais a possibilidade de ser considerada autolesão, mas sim lesão em desfavor de terceiro (vítima suicida) e pode se enquadrar em um tipo penal, ou seja, ser CRIME. É claro que o Código Penal dispôs acerca da tipificação penal quando um terceiro participa no suicídio de terceiro, vejamos:
Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou a praticar automutilação ou prestar-lhe auxílio material para que o faça:
Pena - reclusão, de 6(seis) meses a 2 (dois) anos.
§ 1º Se da automutilação ou da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 129 deste Código:
Pena - reclusão, de 1(um) a 3 (três) anos.
§ 2º Se o suicídio se consuma ou se da automutilação resulta morte:
Pena - reclusão, de 2(dois) a 6 (seis) anos. (Incluído pela Lei nº 13.968, de 2019)
§ 3º A pena é duplicada:
I - se o crime é praticado por motivo egoístico, torpe ou fútil;
II - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.
§ 4º A pena é aumentada até o dobro se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social ou transmitida em tempo real.
§ 5º Aumenta-se a pena em metade se o agente é líder ou coordenador de grupo ou de rede virtual.
(...)
Como se pode notar, mesmo que o ato não seja consumado, mas a tentativa resulte negativamente, o agente poderá ser responsabilizado. Além de, é claro, existir algumas qualificadoras que aumentam a pena. E ainda, observa-se a preocupação do legislador em, não só inibir a assistência material no caso de auxílio, mas também as formas de participação moral em induzir e/ou instigar.
Além disso, é evidente que os fatos deverão ser apurados de forma imparcial para concluir se o ocorrido se tratou de suicídio ou não. Para elucidar melhor acerca disso, tivemos a honra da colaboração neste artigo do Perito Criminal da Polícia Técnico-Científica do Estado de São Paulo Dr. Gabriel Pinto de Oliveira, o qual nos informou que:
Em ocorrências de suicídio faz-se necessária a atuação do perito criminal para inferir a dinâmica dos fatos por meio da análise dos vestígios e do exame externo cadavérico.
A maioria dos suicídios se dá por enforcamento, mas há outros meios, tais como precipitação, disparo de arma de fogo, envenenamento etc. Os vestígios - corda, fármacos, projéteis, substância biológica- coletados nos locais das ocorrências podem ser encaminhados aos laboratórios do Instituto de Criminalística, onde se realizam diversos exames.
O laudo do perito criminal, juntamente com o laudo do médico legista - que realiza o exame necroscópico e determina a causa da morte da vítima- subsidiam a investigação da Autoridade Policial.
Já com relação à esfera cível, o que devemos prestar atenção inicialmente é quando uma pessoa está sob tutela do Estado (detida por exemplo) e comete o suicídio. Neste caso, como a responsabilidade da segurança era do Poder Público, este poderá ser responsabilizado em arcar com os prejuízos materiais e imateriais em favor dos familiares da vítima.
Por fim, vale apena mencionar acerca do seguro de vida em caso de pessoa que comete suicídio, pois por muito tempo havia a discussão de que o suicídio seria ou não coberto pelo segurador, havendo o posicionamento que pago pela seguradora somente em caso de não premeditação, inclusive no período de carência.
No entanto, há poucos anos o assunto foi superado e até sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, veja-se: Súmula 610: "O suicídio não é coberto nos dois primeiros anos de vigência do contrato de seguro de vida, ressalvado o direito do beneficiário à devolução do montante da reserva técnica formada."
Com isso, após o período de dois anos, a seguradora será obrigada a pagar o valor da importância segurada em favor dos beneficiários do segurado, sendo eventual cláusula contrária considerada nula. É o que prevê o Código Civil:
Art.798. O beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso, observado o disposto no parágrafo único do artigo antecedente.
Parágrafo único. Ressalvada a hipótese prevista neste artigo, é nula a cláusula contratual que exclui o pagamento do capital por suicídio do segurado.
Para finalizar este setembro amarelo (mas nunca o assunto/tema) constata-se como as pessoas carecem de auxílio psicológico e médico, basta verificar o crescente número de suicídios nos últimos tempos.
Por isso, cabe a todos profissionais, empresas, PESSOAS, trabalharem e conviverem em um ambiente saudável, buscando maior empatia e compreensão ao próximo, já que avida perfeita não existe, pois a vida perfeita é somente a sua, então aproveite ela e busque a melhor versão possível dela (do seu ponto de vista, não do outro).
O HGZ preza pela saúde mental, pelo trabalho humanizado de todos os seus colaboradores, fornecedores e clientes. E você? O que está fazendo pela sua saúde mental? Se precisar de auxílio jurídico e/ou humano, conte conosco. No entanto, não deixe NUNCA de buscar ajuda médica.
Coautor:
Caio Gomes
Estudante de direito da UNISA
Assistente Jurídico na HGZ Advocacia e Consultoria Jurídica
Participação:
Dr. Gabriel Pinto de Oliveira
Perito Criminal da Polícia Técnico-Científica do Estado de São Paulo